Distante do centro histórico da cidade, mas também construído no período de glórias da borracha - conhecido como Belle Époque -, o Mercado de São Brás completou 100 anos de fundação ontem, dia 21. Em 1911, sob então intendência de Antônio Lemos, o Pará ganhava um importante estabelecimento comercial, criado para suprir as demandas de transporte e comercialização de mercadorias na estrada Belém-Bragança. A obra projetada pelo arquiteto italiano Filinto Santoro possui estrutura construída em ferro e o estilo do prédio é eclético, com detalhes escultóricos também em ferro e azulejos art nouveau. Foram empregados ainda materiais e mão de obra estrangeiros.
A distância geográfica do núcleo urbano onde se situa boa parte do patrimônio predial de Belém revela a grave e notória diferença quando se trata de preservação do conjunto arquitetônico da capital.
Mercado poderá ter novo uso
Mercado poderá ter novo uso
A administração é feita pela Prefeitura Municipal de Belém, por meio da Secretaria Municipal de Economia (Secon) – por conta das atividades de feira no local. São aproximadamente 500 feirantes trabalhando no mercado, com venda de carne, peixe, artesanato, móveis e confecções.
Tombado pelo patrimônio histórico municipal e estadual em 1982, a estrutura arquitetônica está longe de ser gerida e tratada como tal. Depois de pelo menos três grandes reformas, o mercado teve a planta redesenhada e sua estrutura interna é muito descaracterizada. Até um teatro já existiu lá dentro, mas foi desativado para nova reordenação do espaço, na década de 1990.
A última reforma realizada em 2010 – que, de acordo com o diretor geral da Secon, Luiz Carlos Silva, foi feita conforme orientações de técnicos do Departamento de Patrimônio Histórico, da Fundação Cultural de Belém (Fumbel) – foi polêmica. Os dois pares de chifres dos bois que adornam a porta principal do Mercado de São Brás teriam recebido tintas pretas inadequadas. “Eles continuam pintados, mas a cor original é a cor de chifre de boi”, admite o diretor geral.
Essa é apenas uma das constatações de má conservação do espaço, que já teve o telhado praticamente todo alterado, em reformas ineficientes. “A estrutura foi trocada por fibras de cimento e agora é de alumínio com manta asfáltica e compensado, o que piora o calor lá dentro. Com isso, aumentam também as infiltrações”, diz, acrescentando que pelo menos uma vez por ano são feitas intervenções no teto, nas calhas e paredes.
Além disso, mesmo com intenso fluxo de pessoas, não há segurança no ambiente interno nem externo. Segundo o diretor geral da Secon, a responsabilidade pela contratação de segurança especializada é dos próprios feirantes. A PMB disponibiliza apenas uma viatura da Guarda Municipal, que faz rondas no entorno.
Com esse cenário, não são raros os casos de furtos e assaltos na praça Floriano Peixoto, que abriga o mercado. Nesse contexto, Luiz Carlos admite que já são previstas novas propostas de utilização do Mercado de São Brás. “Estamos pensando em algo voltado para manifestações culturais, mas temos primeiro que achar uma solução para os feirantes. Não temos previsão para quando essa mudança poderá ocorrer e temos que ter cuidado para não criar expectativas”, conclui.
O mau uso do espaço do mercado e as quase inexistentes políticas de conservação são pontuados com muito vigor pela professora e arquiteta Jussara Derenji. Ela considera o uso atual um sub-uso, sendo muito modesto para um prédio de valor arquitetônico e histórico e que, por estas razões, foi tombado. “Ele foi pensado para ser um mercado moderno, no início do século XX, e poderia ser, como em outras cidades, um mercado cuidado e até sofisticado”, opina.
Que outras medidas podem ser importantes para a conservação do patrimônio? A professora explica que a restauração é um passo importante, “mas inócuo se não houver um uso adequado e a conservação permanente”, enfatiza.
A professora destaca ainda que internamente o prédio foi despido de muitas das características originais, a solução de telhado também não foi muito bem sucedida, a iluminação é desfavorável aos ornamentos e a conservação estaria em péssimas condições. E completa: “O cenário do entorno é reflexo direto do descaso com o patrimônio. Nenhum uso proposto ou desejável poderá ter êxito se não houver um planejamento que se preocupe, além do uso adequado à importância do prédio, com acesso, estacionamentos, segurança”, analisa.
FILINTO SANTORO
Filinto Santoro, engenheiro italiano, foi também cônsul da Itália no Pará, onde permaneceu de 1900 a 1912. Trabalhou no Rio de Janeiro, Espírito Santo, Amazonas e Bahia fazendo residências da burguesia e da elite política. Foi também jornalista e dedicou especial atenção à educação de italianos no Brasil. Outras obras em Belém: o Colégio Gentil Bitencourt, o Palacete Montenegro, hoje Museu da UFPA, a sede do jornal “A Província do Pará”, hoje o colégio estadual IEP, além de várias casas na rua Joaquim Nabuco, na avenida Nazaré e na Governador José Malcher. Fez projeto para um palácio de governo municipal que seria construído na Presidente Vargas.(Diário do Pará)
Fonte: www.diarioonline.com.br 22/05/2011
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