segunda-feira, 19 de março de 2012

Restauração promete recuperar esplendor de igreja


(Foto: Octavio Cardoso)

O tempo deixou marcas na Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Foi pouco a pouco demarcando território, cravando ações na história da construção. Criou raízes que se entranharam e castigaram o terreno sagrado, maculando a memória. “É uma igreja muito antiga, foi feita em várias etapas. Mas foi muito maltratada, porque virou local de estacionar carroças, até os cavalos entravam aqui”, diz padre Alberto Bresciani ressuscitando um pretérito distante que os vestígios sob a Igreja não permitem a ninguém esquecer. “Muita coisa se perdeu.
Passaram-se os anos. Muitas estátuas estão perdidas, outras roubadas, outras foram colocadas no Museu de Arte Sacra”, lamenta. Construída na primeira metade do século XVIII, entre 1708 e 1720, a Igreja do Carmo vai passar por uma restauração em 2012.
Coordenado pela Arquidiocese de Belém, o projeto foi desenvolvido pela regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Belém. Ele existe desde 2004 e em janeiro desse ano um convênio de R$ 4.189.103,03 foi assinado com a Vale, patrocinadora da intervenção, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura Rouanet. A seleção das empresas aptas a executarem a obra já terminou e o resultado deve ser divulgado ainda nesta semana. A obra é anunciada como a primeira restauração completa do monumento. Mas não se trata do primeiro restauro na igreja nem a primeira tentativa de recuperá-la das ruínas. “Em 1756 foi reformada, já com o [arquiteto Antônio] Landi. O Padre Ângelo Cerri, que foi o primeiro diretor do Colégio Salesiano no período de 1930 a 1933, mais ou menos, fez as pinturas todas, a troca do piso (antes era tijoleira e foram colocados ladrilhos hidráulicos que era a moda da época), afirma a arquiteta e pesquisadora Ida Hamoy, mestre em Artes, professora da Faculdade de Artes Visuais e Museologia da Universidade Federal do Pará. Ida defendeu em janeiro de 2012 a dissertação de mestrado “Itinerário de influências ibero-italianas na arte e na arquitetura: Retábulos da Belém do século XVIII”, material que ela estuda desde 2004 nas igrejas do período.

Iphan atesta deterioração avançada
Padre Alberto Bresciani gosta de lembrar as ações de Cerri. “Padre Ângelo fez um belo trabalho, pintou a igreja todinha. Fez um bocado de trabalho e depois ele morreu. Passaram-se os anos e tudo se estragou. Com ele, a igreja voltou ao antigo esplendor”, elogia o atual padre da Igreja do Carmo. O religioso de 74 anos vem tentando conter os efeitos da umidade e das infiltrações sobre as pinturas que decoram o local. Só que não tem conseguido. Nem poderia. “As pessoas talvez tenham consciência da importância da igreja como templo, mas como documento vivo da história, acredito que não com a intensidade que deveriam ter. Por exemplo, a fachada da igreja veio pronta de Portugal, talhada em Portugal e veio desmontada pra cá. O Landi foi quem fez os ajustes para o encaixe dela no corpo da igreja. Isso é fato histórico, de um tempo em que Belém tinha grande importância para a Europa”, explica Hamoy.
“A igreja está num estado de deterioração avançado”, conclui João Veloso, restaurador do Iphan que supervisiona o processo de restauro durante os 14 meses previstos para a entrega do trabalho. Empreitada que preocupa a pesquisadora Ida Hamoy. “Carmo é a mais bela igreja de Belém que mantém, mesmo com os problemas estruturais que apresenta, a talha [elemento decorativo feito de madeira que ornamenta a igreja nas paredes, ou no contorno de portas] mais preservada, com douramento original. A restauração aqui em Belém é tratada como algo que pode ser feito por qualquer pessoa e não é bem assim. As obras de responsabilidade do Iphan foram as piores possíveis. A da Igreja de Sant’Ana foi feita pelo Iphan. Veja como era o retábulo e como está agora?”, compara a arquiteta.
João Veloso argumenta que a instituição não descaracteriza obras e construções históricas. Pelo contrário. “O Iphan recupera o momento primitivo da construção da igreja. É recuperar as características. Nunca fiz obra nenhuma que descaracterizasse. O que acontece [quando órgão chega para fazer determinado restauro] é que essa obra sofreu várias alterações ao longo dos anos. Aquela pintura, por exemplo, já estava descaracterizada. O papel do Iphan é recuperar o que havia antes”, defende. Vasculhando o território de atuação, o restauro começa com as retirada das camadas de tinta, tecnicamente chamadas de prospecções pictóricas. “Esse é um procedimento que vai definir o processo de restauração pra recuperação. Por isso não começou de fato a intervenção”, afirma. De acordo com ele, o prazo estimado de 14 meses poderá ser cumprido sem grandes problemas. “Espero não ter surpresas”, deseja.
No entanto, Ida não acredita que esse tempo seja suficiente para fazer a restauração. “A menos que se faça uma maquiagem e se reabra uma igreja ‘bonita’. Quem disser que faz em 14 meses estará mentindo ou tentando enganar. A Igreja de Sant’Ana está fechada desde 2004. A Mona Lisa do Prado passou dois anos sendo restaurada e estudada”, pontua.

Durante o restauro, portas abertas
Durante a restauração, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo seguirá com as atividades da agenda de casamentos e outros eventos que recebe. Segundo o Iphan e a Arquidiocese de Belém isso não atrapalhará o andamento do projeto. “A ideia é que a igreja possa ficar aberta o maior tempo possível. Claro que em algum momento ela deverá fechar, mas a gente não tem como precisar quando vai acontecer. Ela vai ficar aberta pra que as pessoas possam acompanhar, pra que a gente possa dar mais transparência ao processo”, defende Geraldo Monteiro, diretor geral de Obras Sociais da Arquidiocese de Belém. Ida Hamoy concorda.
“Se forem tomadas medidas de segurança para se continuar utilizar a igreja, não há necessidade de se fechar, é importante inclusive que a comunidade acompanhe a obra, tome para si, como uma obra da sua casa. É difícil fazer uma obra morando dentro, na igreja não é diferente, terá poeira, barulho, mas a comunidade precisa acompanhar. Em grandes projetos de restauro, se faz em paralelo o trabalho de educação patrimonial, mostrando às pessoas como se faz esse processo de restauro”.
Entre as intervenções para restabelecer a beleza e manter viva a história da Igreja do Carmo, haverá a recuperação de toda a cobertura e subcobertura do espaço, onde será colocada uma lâmina de alumínio entre o telhado e o forro, para combater a umidade e as infiltrações. Os profissionais vão reintegrar as pinturas, além de fazerem a reposição de peças com materiais mais estáveis, com durabilidade média entre 50 e 100 anos, e a imunização de toda a igreja para evitar a ação de agentes que possam danificar as obras em madeira, como os cupins.

Manutenção ficará a cargo dos padres salesianos
Apesar de considerar “louvável” a iniciativa na Igreja do Carmo, Dulce Rocque, presidente da Associação Cidade Velha, Cidade Viva, tem dúvidas sobre o futuro. “Como vai ser a manutenção dessa Igreja? A gente sabe que e a igreja não tem dinheiro e manter uma obra histórica, tombada, custa caro. Na Sé, quando aparece uma infiltração, são dois mil reais pra mandar consertar. A igreja também não fica aberta. Tem missa seis horas da manhã e oito horas já tá fechada, porque o pessoal entra e rouba tudo. À noite as pessoas não vêm mais pra missa porque são assaltadas. Chegam os turistas e a igreja está fechada. Ela fica fechada o dia inteiro”, comenta Dulce, que mora em uma casa a poucos metros da praça do Carmo. “A igreja vai abrir depois dessa reforma? Quem vai ficar tomando conta? Isso é despesa, porque está diminuindo muito a frequência das pessoas”, completa.
Geraldo Monteiro explica que os recursos referentes à intervenção na Igreja do Carmo destinam-se somente para o projeto de restauro e que a manutenção após a entrega é de responsabilidade os padres salesianos. Se o dinheiro faltar, a Arquidiocese poderá ajudar com alternativas. “Veremos outro projeto ou alguma outra forma de buscar recursos”, garante.
Por enquanto, padre Bresciani apenas aguarda. “Eu sou como São Tomé. Depois que terminar eu darei minha opinião. Se ficar bom, eu vou bater palmas”, adianta. Hoje, ele só alimenta um desejo: “Que a igreja de tijolos se tornasse viva”. Quem sabe assim, ela poderia cuidar de si mesma.

(Fonte: Diário do Pará Online)

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