quarta-feira, 18 de maio de 2011

Etnografia e Museus: caminho para entender a memória de um povo

Estudos, acervos e tecnologia audiovisual são recursos estratégicos na revelação de cultura
 
Agência Museu Goeldi – No seu terceiro dia de atividades, a programação do Museu Goeldi na 9ª Semana Nacional de Museus debate a relação entre Museu e Memória, um diálogo entre linguagens contemporâneas em espaços museais de ciência. O segundo dia do seminário abordou pesquisas e ações educativas, onde o foco são as estratégias para a preservação do patrimônio cultural e científico.

A vila de Joanes, localidade no município de Salvaterra, no Arquipélago do Marajó, foi analisada pela professora da UFPA, doutoranda em Antropologia, Luzia Gomes. As cerâmicas Marajoara e Aruã, vestígios de ancestrais que viveram na região muito antes da chegada dos europeus, são peças importantes para entender o contexto dos moradores que vivem na vila.

Em 1986, durante a construção da Escola de Ensino Fundamental de Joanes foi encontrado sítio arqueológico que abriga restos de cerâmicas do povo Marajoara, que viveu na região por volta de 400d.c., e Aruã, que viveu entre os anos de 1300 a 1650 d.c.

Segundo Luiza, “Joanes se torna um lugar especial, porque os moradores têm uma relação única com o lugar e eles querem que as peças fiquem na vila”. A vontade de preservar e conhecer os vestígios arqueológicos dos seus ancestrais é tão forte que os moradores querem a construção de um Museu na região. A professora considera que “a construção social do presente, através da memória, produz relações sociais e afetivas que criam diferentes representações”.

Ambiente e Patrimônio – Em outro momento do evento, o biólogo e coordenador do Serviço de Educação do Museu Goeldi, Luiz Videira, apresentou sua experiência à frente do projeto “Educação Ambiental e Patrimonial” desenvolvido pelo MPEG em parceria com a Mineração Rio do Norte.
Com a finalidade de fazer um levantamento dos sítios arqueológicos que direta ou indiretamente pudessem ser afetados pelas atividades da mineradora, o projeto desenvolvido em Trombetas realiza ações de valorização da produção de objetos em cerâmica que resultaram no resgate e na valorização da “cultura do barro” naquelas localidades. Segundo Luiz, “O projeto levantou a autoestima das pessoas dessa região que não compreendiam o quanto o conhecimento imaterial que eles têm é importante”.

A importância das reservas técnicas e da guarda de coleções por museus como o “Emílio Goeldi” também foi tratada durante as discussões. O mestrando e bolsista da Coordenação de Ciências Humanas do MPEG, Carlos Chaves, destacou o papel das reservas técnicas e das coleções como memórias étnicas. Segundo Carlos, que estuda há dez anos a cultura caiapó, “As coleções são estigmatizadas, como lugares de objetos sem vida, um grande depósito. Mas não são. Os etnólogos têm o trabalho de contextualizar e interagir esses objetos com seus produtores”. A Reserva Técnica de Antropologia do Museu Goeldi guarda e conserva 15 mil itens, dos quais, 70 % são de origem indígena.
Durante a manhã da terça-feira, foi realizada sessão de vídeos, na qual foi apresentado o filme “Filhos do Barro” (2011, Brasil), 15min, de Vitor Lima. Sobre a história relatada no filme, o educador do Museu Goeldi, Luiz Videira e coordenador do projeto de Educação Ambiental e Patrimonial, desenvolvido na região do Trombetas, área de exploração da Mineração Rio do Norte, contou sobre o  trabalho que foi desenvolvido a partir de atividades de metodologia participativa com a comunidade.

A iniciativa envolveu as crianças, indagadas sobre quem eram os primeiros moradores daquela região, ao tempo que se apresentava o ambiente em que eles vivem e “fazendo visitas a pessoas que eles consideram as mais importantes para a comunidade”, relembra Luiz Videira,

Cultura do barro: memória e valor – Segundo Videira, “nessa comunidade só havia três pessoas fazendo arte com a cerâmica, de maneira tradicional rudimentar.” Os demais, segundo o educador, “achavam isso uma atividade de índio e preferiam a panela de alumínio ou de aço inox do que aquela de barro, considerada um atraso.” Em realidade, “As pessoas, também, foram deixando de fazer essas panelas de barro, porque se sentiam desmotivadas, pois era um trabalho muito desvalorizado, onde se gastava muito tempo para fazer uma panela em troca de pouco oferecido pelos compradores.”

Como estratégia, a equipe do projeto procurou “agregar o maior número de pessoas em outras oficinas até introduzi-las na parte da cerâmica.” Numa fase posterior, três senhoras da comunidade, que ainda faziam panelas de barro, passaram a dar aula para as comunidades com um intuito de valorizar o conhecimento que elas possuíam. O trabalho incluía desde a coleta da argila até a modelagem e o cozimento das peças. O envolvimento das pessoas na confecção dos utensílios levou-os a “perceber a importância do conhecimento esquecido”, relata Videira.



Entre a tradição e as novas tecnologias na escola indígena – Através da aplicação de tecnologia audiovisual, a Dra. Ivânia dos Santos Neves, coordenadora do Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura da UNAMA, trabalhou junto aos índios Aikewára, grupo  que beirou a extinção na década de 1960 e hoje conta com cerca 300 habitantes, dos quais 200 são crianças. Com a apresentação de dois vídeos - “Tekwaeté: A rede Aikewára” (Brasil, 2011), 6min; e “Tapi'i'rapé: O Caminho da Anta” (Brasil, 2011), 10min, dirigidos por Maurício Neves Corrêa e Ivânia dos Santos Neves -, a professora relatou a experiência de projeto,  apoiado pela Unesco e pelo projeto “Criança e Esperança”, denominado “Crianças Aikewára: entre a tradição e as novas tecnologias da escola”.

O trabalho com as sociedades indígenas envolveu narrativas orais, como complemento do visual: “Os pajés quando vão contar uma história não usam somente a ‘língua falada’, eles também utilizam a pintura corporal, por exemplo, para complementar a sua fala”.

O projeto, concluído em 2010, tinha como objetivo fazer com que os índios se vissem na televisão” e, para tal, “se apropriou da tecnologia como uma reafirmação da identidade Aikewára”, conclui a professora.

Texto: Lucila Vilar e Anderson Fattori.
Edição: Jimena Felipe Beltrão.
Fonte: www.museu-goeldi.br 18/05/2011

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