A história da Irmandade de São Benedito remonta ao século XIX. No município de Santarém Novo, nordeste paraense, devotos do frei franciscano negro eram reprimidos pela Igreja Católica por usar o carimbó para celebrar a fé. Cem anos depois, não só a entidade persiste, como tornou-se fiel protetora da manifestação cultural. Desde 2007, encabeça a campanha “Carimbó Patrimônio Cultural do Brasil”, pelo registro do ritmo paraense como bem cultural imaterial brasileiro.
“Percebemos que o carimbó precisa de reconhecimento para ser valorizado. E esse reconhecimento tinha que vir de fora, como parece ser o destino de toda manifestação produzida aqui. Basta lembrar que o carimbó existe há 200 anos, mas ainda hoje sofre um descaso tremendo”, diz Isaac Soares, integrante da Irmandade de São Benedito e organizador da campanha.
A ideia surgiu durante o Festirimbó, festival dedicado ao carimbó de raiz realizado há dez anos em Santarém Novo. “Pensamos em algo voltado ao carimbó tradicional, com grupos e mestres de todo o Estado”, relembra. “A cada ano a procura era maior, mas os grupos não tinham recursos para sair de seus municípios”, diz.
O carimbó vive uma contradição: ao mesmo tempo em que é usado como atrativo turístico e sinônimo da criatividade e expressão dos paraenses, os músicos tradicionais, especialmente os que vivem no interior, morrem sem registrar suas obras, com suas técnicas de confecção e manuseio de instrumentos perdidos no tempo.
Em 2008, a Irmandade de São Benedito protocolou o pedido de registro do carimbó como patrimônio imaterial junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A requisição foi aprovada no ano seguinte e desde 2010 o órgão vem produzindo um inventário sobre o ritmo, que servirá de referência para o registro. A primeira etapa da pesquisa, que consiste no mapeamento das comunidades e levantamento de dados, documentos e bibliografia relacionados ao ritmo, deve ser concluída em três meses.
Até o momento foram visitadas a microrregião do Salgado, que reúne onze municípios, e a mesorregião metropolitana de Belém, composta de onze localidades, incluindo a capital. Ainda compõe o levantamento parte do “Inventário de Referências Culturais da Ilha do Marajó – INRC Marajó”, realizado pelo Iphan entre 2004 e 2007. O estudo será encerrado com a microrregião de Cametá, que reúne sete municípios.
Estão estipuladas ainda outras duas fases: um estudo etnográfico, no qual os pesquisadores irão acompanhar a rotina dos mestres, e um dossiê com todos os dados coletados. Planeja-se a entrega do material para a segunda metade de 2012.
“Só o registro documental é uma enorme conquista”, avalia Edgar Chagas, geógrafo e pesquisador do Iphan que desenvolve o estudo ao lado de mais dois técnicos. “Ao longo dos anos foi produzido um material rico, porém pequeno, sobre o carimbó. Existiam grandes autores como Vicente Salles (folclorista paraense, pioneiro na pesquisa musical da região no começo do século XX), as crônicas de grande viajantes. Mas nunca uma obra específica sobre o assunto”.
DESCOBERTAS
Exemplo disso são algumas particularidades do ritmo que vieram à tona a partir do estudo. A mais peculiar é justamente a aproximação do carimbó com as festividades de santo. Muitos grupos, como é o caso da Irmandade de São Benedito, mantêm uma ligação estreita com a religiosidade. Isso vincula a prática ao calendário religioso, concentrando as apresentações nos períodos de folguedos, como é a festa de São Sebastião, comemorada em dezembro. “Nesse contexto, São Benedito vem se mostrando o santo do carimbó, pela sua popularidade entre os grupos. Logo em seguida vem São Sebastião”, aponta Edgar.
Outra particularidade é uma reavaliação da influência negra junto ao gênero musical, antes considerado predominantemente indígena. Em algumas localidades, a cultura negra prevalece em sua formação rítmica, produzindo inclusive variações regionais, como o zimba em Vigia e o samba na região bragantina.
No estudo preliminar já se delimita, inclusive, uma região simbólica para o ritmo. “É uma manifestação litorânea. Tanto que adentrado o território, no baixo Tocantins, passamos a não encontrar registro de grupos. Só um grupo folclórico ou escolar, aqui e ali”, diz o pesquisador.
O QUE MUDA
A partir do reconhecimento, o governo brasileiro passará a ter obrigação de garantir a difusão e a manutenção do carimbó. “Esse registro irá contemplar o carimbó com um caráter oficial, de um patrimônio cultural reconhecido pela Federação. A partir daí, o poder público terá o dever de desenvolver políticas para proteger esse bem”, explica Edgar.
“Estamos na expectativa. Com o registro, as organizações e os grupos passarão a contar com recursos próprios para ações como produção de vídeos e CDs, viagens e elaboração de projetos culturais. Será a melhor forma de garantir que não iremos sacrificar a arte pela sobrevivência”, avalia Isaac Soares, já especulando o próximo passo da campanha. “Queremos ser reconhecidos como patrimônio da humanidade”, conclui.
FAÇA PARTE
Para saber mais a respeito da campanha “Carimbó Patrimônio Cultural do Brasil” acesse www.campanhacarimbo. blogspot.com ou mande um e-mail para carimbopatrimonioculturalBR@ gmail.com. (Diário do Pará)
Fonte: www.diarioonline.com.br 22/02/2011
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