domingo, 21 de agosto de 2011

Lixo e criminalidade tomam a feira do açaí

Edna Nunes

Um dos cartões-postais da história contemporânea de Belém está se perdendo às margens da baía do Guajará: a Feira do Açaí. Estruturado no início do século XX, o espaço que poderia servir de atração turística está fadado ao abandono do poder público, a virar um depósito de lixo, a abrigar a insegurança e mazelas sociais. Quem frequenta o lugar desde que foi criado, verifica um retorno à época em que a feira era conhecida como "curral das éguas", porque se matava um e deixava outro pendurado para o dia seguinte.
Jovens nem sabem que o espaço existe. "Nunca ouvi falar", diz um deles.

"Eu não sei onde fica essa Feira do Açaí, nunca nem ouvi falar", disse a estudante Elaine Cristina Maia, de 19 anos. Quando informada a localização do espaço, a jovem comenta que sabe, "mas nunca vou para aquela área, porque é suja, dá muita gente porre e tenho amigos que foram assaltados lá".
O primo de Elaine, Douglas da Silva, de 17 anos, disse ter ido ao local uma vez e não teve mais vontade de retornar por conta de não "ter nada para fazer". Ele afirma que a praça Tancredo Neves, perto de onde ele mora, na Marambaia, é mais atrativa que a Feira do Açaí.
O que o casal de primos diz pode ser constatado por qualquer belenense ao fazer uma visita ao logradouro. Nem os casarios garantem de volta a beleza do espaço, porque suas fachadas estão deterioradas.
"Pode escrever aí que aqui (feira) tá muito ‘avacalhado’. Sem condição até mesmo para trabalhar, porque até as pontes por onde a gente passa para descarregar o açaí está sem condição", disse o vendedor de açaí Ernani dos Reis Dias, que mora em Ponta de Pedras, no Arquipélogo do Marajó.
Segundo ele, o lugar está sem organização, os prédios históricos estão abandonados e o policiamento é precário, por não ser o suficiente para evitar a ação da "malandragem". Há 34 anos servindo de intermediário entre os produtores de açaí de Ponta de Pedras e os comerciantes do produto em Belém, afirmou que "foi o tempo que se poderia dizer que a Feira do Açaí podia ser chamada de atração turística".
Para ele, apenas as pessoas que dependem do local para trabalhar ou pegar o barco para atravessar a baía de Guajará rumo a municípios vizinhos de Belém é que se atrevem ficar mais tempo na feira. É o de dona Francisca Ferreira da Silva, de 72 anos, 14 trabalhando como cozinheira em um dos boxes instalados na feira.
Ela disse que permanece no local porque é de lá que tira o seu sustento, mas ainda assim não é o suficiente. Segundo a idosa, a renda é garantida mesmo quando está no período de safra do açaí, como acontece no momento. "Mas, depois disso não dá para quase nada", lamenta.
A cozinheira reclama da falta de limpeza, da estrutura das box - sobretudo porque são pequenos - e da falta de segurança. Francisca garante que até o momento as mercadorias do espaço onde ela trabalha não foram roubadas porque os ladrões não mexem com os vendedores e se isso acontecer "terão que desaparecer da área".

Arquiteto diz que PMB está "se lixando"

Flávio Nassar, arquiteto urbanista e coordenador do Fórum Landi, da Universidade Federal do Pará (UFPA), explica que está na coordenação de restauração dos prédios históricos localizados na Ladeira do Castelo, pertencentes à Arquidiocese de Belém, que concedeu o patrimônio à UFPA.
Ele informa que o projeto está em fase de conclusão e a expectativa é que até o final deste ano as obras sejam concluídas, já que alguns imóveis estavam sob risco de desabamento e não se sabe se aguentarão até o próximo período intenso de chuva.
O arquiteto revela que a restauração dos imóveis está orçada em pouco mais de R$ 1 milhão. A proposta é transformar um deles em albergue para estudantes e professores estrangeiros e outro seria espaço para eventos oficiais. Além disso, se planeja construir auditórios. Mas tudo ainda está em fase de elaboração no Fórum Landi.
Como morador de Belém, o arquiteto diz ver com indignação a Feira do Açaí acabar por conta do descaso do poder público. Na opinião dele, não só esse espaço está abandonado, mas toda a capital paraense. "A prefeitura pouco está se lixando para a cidade e as áreas no centro histórico são exemplos deste abandono", afirmou.
Ele afirmou que tanto a Feira do Açaí como o próprio Ver-O-Peso foram "sequestrados" pela bandidagem, estimulada pela falta de cuidado do poder público. "O culpado de tudo isso chama-se poder público municipal", disse.

Lavagem do espaço não ocorre nunca, garante vendedora

Vendedora de lanche há dez anos na Feira do Açaí, Madalena Vinagre Ferreira, de 46 anos, informa que desde quando começou a trabalhar na feira percebeu que o poder público tinha descaso pelo local. Ela frisa que os agentes da Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan) varrem e coletam o lixo, mas uma limpeza mais cuidadosa não é feita.
"Lavagem não tem nem mesmo nem uma vez por mês e se alguém falar que é feita, está mentindo", disse Madalena. Na opinião dela, se algum órgão da Prefeitura Municipal de Belém (PMB) programasse uma ou duas vezes por mês atividades culturais, certamente afastaria a bandidagem e atrairia o público e com isso os vendedores teriam mais lucro. Mas enquanto isso não acontece, ela tem que se manter vigilante para não roubarem suas mercadorias, pagando alguém para ficar no seu box no período da noite, enquanto ela fica ao longo do dia.
Ela e outros vendedores tentaram no ano passado marcar audiência com representantes da PMB para discutir a situação de abandono da Feira do Açaí. No entanto, até hoje esperam por uma resposta. "Não teve nem sinal de fumaça", disse ela. Diante disso, os vendedores se deixaram vencer pelo cansaço e agora estão no aguardo de alguém se sensibilizar para fazer com que o logradouro volte a ter algum tipo de atração e assim, quem sabe, fazer com que as pessoas retornem para visitar a feira.

Secon afirma que cumpre papel e empurra obrigações para outros

O diretor geral da Secretaria Municipal de Economia (Secon), Luiz Carlos Silva, garantiu que cumpre com seu papel. Ele disse que não cabe ao órgão promover ações para que os comerciantes façam bons negócios no logradouro. "Eles é que precisam descobrir atrativos para conquistar clientes", enfatizou, lembrando que cabe à secretaria fazer a manutenção da área com limpeza e oferecendo infraestrutura, o que tem ocorrido, porque "a limpeza é feita, eles trabalham em boxes fornecidos pela prefeitura".
Agora, segundo ele, não é competência da Secon criar eventos para atrair clientes e muito menos dar segurança, que, comenta ele, há cobertura por haver policiamento no local. A orientação dele é que, caso os trabalhadores que lá estão não se sintam satisfeitos, reúnam-se e façam solicitação de mais policiamento à Polícia Militar e realização de eventos à Fundação Cultural de Belém (Fumbel).
Quanto à manutenção de prédios históricos, Luiz Carlos ressalta que, por estarem em uma área de preservação histórica, inclusive tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), "não é de nossa responsabilidade responder por este assunto".

Iphan espera retorno de projeto da prefeitura apresentado em 2010

A superintendente do Iphan, Dorotea Lima, disse que os casarios localizados na Ladeira do Castelo e pertencentes à Arquidiocese de Belém estão com recursos liberados para restauração e o processo está em andamento.
Quanto à Feira do Açaí, Dorotea informa que a PMB apresentou em 2010 um projeto de restauração do espaço, mas que teve um parecer do Iphan solicitando informações mais detalhadas e indicando a necessidade de alguns ajustes. Ela diz que a proposta foi devolvida à administração municipal, mas até o momento não houve retorno com as possíveis modificações.

Fonte: www.orm.com.br/amazonia 21/08/2011
Integrante da diretoria do Sindicato dos Feirantes do Pará, Francisca Rodrigues, de 61 anos, diz que está há 30 anos no logradouro vendendo comida. Desde então, tem acompanhado muitas histórias. Para ela, poucas são as lembranças boas.
Visitantes assaltados, sujeira, falta de turistas e até de movimento para os vendedores conseguirem manter suas atividades é o cenário desenhado por Francisca - situações que ela observava nas décadas de 60 e 70, quando morava na área. Ela recorda que apenas durante a gestão do ex-prefeito Hélio Gueiros, já falecido, e do ex-prefeito Edmilson Rodrigues, surgiram tentativas de revitalização do espaço, como ponto turístico da capital paraense.
Nessas épocas, disse, os jovens se reuniam para tocar violão, havia barraquinhas de comidas típicas, os visitantes podiam apreciar exposições e até shows musicais e de danças folclóricas que eram organizados no local. No período do carnaval e da Semana Santa, a vendedora afirma que a feira se transformava em espaço cultural para apresentação de peças e festas carnavalescas.
"Hoje não tem nada. Essa prefeitura que está aí programa apenas o descaso da feira. Está tudo entregue aos bandidos e nós a mercê deles, que só não mexem mais com a gente porque estamos aqui há anos. Tem policiamento, mas não é suficiente e a sujeira está por todos os lados porque a Secretaria de Saneamento (Sesan) só varre para tirar a folhagem que fica depois do descarregamento do açaí, que acontece na madrugada", lamenta.
A idosa aponta como principal símbolo do descaso a rampa que serve de acesso aos vendedores de açaí que chegam de barco das regiões das ilhas de outros municípios para descarregar o produto na capital. A rampa, identificada por ela como ponte, é de ferro e está cheia de buracos, provocados pela corrosão da ferrugem. Foi instalada para o acesso da população ao terminal pesqueiro, obra prevista pelo ex-prefeitor Hélio Gueiros que não se concretizou e que atualmente é um risco para quem passa por ela.
Outro problema citado por Francisca é a prostituição e a exploração sexual de adolescentes, que circulam livremente na área, sobretudo de noite e de madrugada, quando é feito o descarregamento do açaí.


Cartão-postal de Belém sofre com o completo abandono

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