sexta-feira, 22 de abril de 2011

Restaurar é para artistas

Obras sofrem com a ação do tempo e com a exposição pública e dependem de refinado manejo de conservação

Por contemplação religiosa ou curiosidade turística e/ou cultural, as obras de arte sacras estão em constante exposição e sujeitas à ação do tempo, do toque, de insetos variados e, também, das indesejáveis infiltrações, tão comuns numa cidade como Belém, que tem a chuva como elemento constante. Assim, imagens de santos, objetos religiosos, de arte e até mesmo a arquitetura de igrejas ganham reforço em um trabalho demorado, detalhado e nada fácil, como o que é realizado pelos restauradores, que ainda têm a responsabilidade de ajudar na preservação. Mesmo em número reduzido, os restauradores são considerados anjos da guarda de incontáveis obras de valor inestimável, o que os mantêm envoltos em um certo toque de mistério, tradição e beleza.
Belém tem muitas obras em processo de restauração. E o ato de restaurar, segundo o restaurador paulista Philippe Garai, "tem triplo significado: restaurar a obra em si; o autor da
obra; e, indiretamente, a época à qual pertence a obra". Por isso, o trabalho desse profissional merece destaque e respeito. Sobretudo pela capacidade de recuperar o que já parecia perdido como obra de arte.
Porcelanas, molduras, imagens de santos, esculturas, objetos antigos, tudo o que se pensar é passível de restauro. As técnicas de reconstrução são muitas e envolvem desde o conhecimento histórico até o estudo do material utilizado para o processo de restauro, que tem como foco maior igualar o trabalho executado ao original: "A restauração que faço nas porcelanas, por exemplo, é aplicada, somente nas áreas danificadas. Nunca nas intactas. O original é sagrado e nunca deve ser profanado. Para que uma porcelana reconquiste o frescor da época em que foi gerada é necessário o profundo conhecimento de sua composição em sua época", observa Garai.
No caso de telas rasgadas ou furadas, Phillippe utiliza cera de abelha para fixar a área que deverá ser reentelada. Já para a restauração de imagens sacras, marfins e mármores, o restaurador - que acaba tendo que atuar como escultor - utiliza ferramentas fabricadas por ele mesmo para reconstruir dedos, orelhas, vestimentas, entre outras partes danificadas. "Concluída essa etapa verifico a coloração, a fim de adequar o tom de minha escultura com o tom do objeto original", detalha o artista.

Pinto Neto reconstruiu mais de mil obras

Artista plástico e restaurador em atuação no Pará há pelo menos 20 anos, Pinto Neto já reconstruiu mais de mil obras. Atualmente, trabalha no restauro de uma imagem de Dom Bosco, pertencente à comunidade que leva o nome do santo, localizada em Ananindeua. A obra, que mede 1,60m de altura, vai exigir cerca de 90 dias para ficar pronta, pois carece de restauro em quase todas as partes.
Pinto Neto também cuida de dois crucifixos pertencentes à paróquia do Sagrado Coração de Jesus. O trabalho já dura alguns dias e ainda vai levar uma ou duas semanas até ser concluído. Mas, o artista garante: "o resultado é impressionante".
Pinto Neto herdou a profissão do pai. E busca sempre um trabalho voltado à reconstrução de boa qualidade, mesmo que não lhe renda dinheiro. A prova disso é o trabalho como voluntário que faz em paróquias e comunidades do Estado, como a Vila do Ó, no município de Santa Izabel, onde ele foi responsável pelo restauro da imagem da santa padroeira, Nossa Senhora das Graças. "Fiz o restauro com muito carinho. E fiz também uma berlinda", conta o restaurador, que não cobrou nada pelo trabalho.
Outro trabalho de Pinto Neto foi o restauro dos portões internos da Basílica Santuário de Nossa Senhora de Nazaré. "Foi uma obra que me deu muito trabalho, mas, principalmente, orgulho. Foram quase cinco anos de dedicação, mas que tenho certeza que o resultado ficou maravilhoso, o que me deixa muito feliz", diz, emocionado, o restaurador.

Segredo do bom trabalho está na técnica e na sensibilidade

Restauração e preservação cultural caminham juntas. A importância fundamental está direcionada ao desenvolvimento e enriquecimento cultural de um povo, que, com a reconstituição de obras históricas, passa a ter registros de sua memória, como crenças, costumes, ideias e conhecimento tecnológico.
O segredo do bom trabalho de restauração, de acordo com os próprios profissionais da área, está na técnica adotada para reconstruir o alvo, cujo processo envolve três conceitos: preservação, conservação e restauração. Afinal, não dá para refazer um objeto sem evitar que ele se deteriore e se relacione com o meio em que ficará exposto; que seja conserado sem que a peça seja mantida em estado original; e que seja restaurada sem atentar para o resgate dos valores históricos e estéticos.
Para manter a integridade de um patrimônio, seja pintura em tela, em parede ou em teto; desenhos; esculturas em superfícies de pedra, madeira ou parede; monumentos e estátuas; obras arquitetônicas antigas, como igrejas, capelas, casas, edifícios, templos; objetos litúrgicos e imagens; ou em publicações e mapas; o restaurador, que precisa entender de história da arte, química, biologia e cultura geral, além de conhecer as técnicas e métodos dos principais artistas.
A sensibilidade também é fundamental no trabalho de um restaurador, que deve gostar de arte e ter a capacidade de observação e detalhar cada centímetro a ser reconstruído. "Tem que amar muito o trabalho, pois não pode haver imperfeição", pontua o restaurador paraense Pinto Neto.
Ele aprofundou pesquisas com andiroba e copaíba contra fungos e cupins, os grandes vilões das obras de arte. A partir das duas substâncias medicinais, Pinto Neto desenvolveu uma técnica de aquecimento da mistura, que protege imagens, molduras e até ferro. "Percebi que o óleo afinava e comecei a injetá-lo em casas de cupim. Fiquei impressionado com a reação deles", revela o artista.

Fonte: www.orm.com.br/amazonia/ 22/04/2011

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