Como toda cidade moderna que almeja o título de metrópole, Belém cresce para cima. Torres de concreto são levantadas em ritmo industrial: é o futuro que se impõe ferozmente. Em contraste com esta retilínea arquitetura vendida a preço de ouro por algumas centenas de milhares de reais, casarões seculares definham no centro da cidade. O passado é rejeitado. Basta observar com alguma atenção as edificações recobertas de mato e pichações nas avenidas Governador José Malcher e Aristides Lobo, só para citar alguns pontos. Há vários outros, como os casarões da travessa Leão XIII e da rua Gaspar Vianna, no bairro da Campina.
Mais que um retrato eloquente do abandono de um bem material, o descuido com os prédios antigos denota algo ainda mais preocupante: o desleixo com a própria identidade cultural e histórica de Belém. “A cidade é uma acumulação de muitos tempos, inclusive dessas construções antigas. Essa somatória forma o acervo da nossa memória coletiva. Assim como guardamos fotos de família, a nossa vivência em sociedade também traz imagens importantes, e a preservação dos casarões, antes de tudo, é essencial para que a gente continue tendo auto-estima enquanto belenense”, defende Roseana Norat, mestre especialista em preservação do patrimônio público e membro do Conselho Internacional de Monumentos e Centros Históricos -Icomos.
No papel, a história é outra
Mais que um retrato eloquente do abandono de um bem material, o descuido com os prédios antigos denota algo ainda mais preocupante: o desleixo com a própria identidade cultural e histórica de Belém. “A cidade é uma acumulação de muitos tempos, inclusive dessas construções antigas. Essa somatória forma o acervo da nossa memória coletiva. Assim como guardamos fotos de família, a nossa vivência em sociedade também traz imagens importantes, e a preservação dos casarões, antes de tudo, é essencial para que a gente continue tendo auto-estima enquanto belenense”, defende Roseana Norat, mestre especialista em preservação do patrimônio público e membro do Conselho Internacional de Monumentos e Centros Históricos -Icomos.
No papel, a história é outra
Contrariando a importância da preservação dos palacetes, os prédios deixam de ser pontos turísticos ou personagens de cartões postais e se tornam verdadeiras pedras no sapato. Em ruínas, as edificações se tornam cenário para a violência, acobertando a ação de marginais. E isso não acontece apenas no bairro do Comércio, que fica deserto no final da tarde, depois que as lojas se fecham. Mesmo os bairros da Campina e Cidade Velha, primeiras áreas urbanas da capital, amargam a falta de atenção.
“Nos bairros da Cidade Velha e Campina, que são predominantemente residenciais, se vê uma grande degradação. As calçadas têm problemas, há lixo, a iluminação é ruim, a fiação elétrica não é adequada - já que ela deveria ser subterrânea, para evitar poluição visual e risco de incêndio. Tudo isso torna o lugar perigoso. Isso tira a auto-estima dos moradores, que passam a não acreditar que vale a pena investir na manutenção de prédios antigos”, avalia Norat.
Essa é a realidade enfrentada na prática, ainda que a teoria diga o contrário. No papel, os 2.800 prédios antigos localizados nestes dois bairros foram tombados pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) desde o final do ano passado, o que representaria também um plano de ação diferenciado para o entorno e infra-estrutura urbana. Mas não é isso o que se vê.
“O poder público precisa fazer algo decente, que estimule as pessoas a ter vontade de morar no centro histórico, para que a Cidade Velha e a Campina possam ser locais agradáveis, e não lugares que as pessoas tenham medo de viver”, protesta Milton Kasahiro, pesquisador florestal e morador de um casarão localizado na divisa entre os dois bairros. “Há uma série de questões, como os veículos pesados que passam e muitas vezes destroem as calçadas que os próprios moradores arrumam, principalmente as esquinas. Até o caminhão de lixo no Centro Histórico deveria ser de menor porte e algumas ruas deveriam se transformar em calçadões e evitar o trânsito de veículos”.
Procurado pela reportagem, o Iphan não respondeu à entrevista enviada por e-mail à superintendência do órgão.
Sem incentivo, donos de casarões também aceleram degradação
A implementação das leis de proteção ao patrimônio histórico da cidade aponta para três órgãos. Na escala municipal, quem responde pelos prédios tombados e construções antigas é a Fumbel (Fundação Cultural Municipal de Belém). Pelo Estado, a Secult (Secretaria de Estado da Cultura do Pará); e o Iphan é o órgão nacional voltado para o desenvolvimento de políticas públicas de estímulo à preservação do patrimônio histórico, bem como a execução de multas e outras medidas a fim de coibir sua degradação.
O problema é que cada um desses órgãos possui uma área de atuação, e saber a qual deles recorrer é um tanto confuso. Para esclarecer: o Centro Histórico e entorno, até a Quintino Bocaiúva, são de responsabilidade do município. Além do Centro Histórico, a Secult, via DPHAC (Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural), cobre ainda os bairros de Nazaré, Batista Campos, Cidade Velha e Campina. O Iphan também responde pelo Centro Histórico, Cidade Velha e Campina.
A denúncia de casos de abandono de prédios antigos ou de degradação, como construções irregulares, mesmo que não se trate de um prédio tombado, deve ser realizada a Fumbel. “Notificamos vários imóveis por semana. Não é raro encontrar casos em que os proprietários destelham o prédio para acelerar o desabamento e vender o terreno”, revela Marcos Carvalho, chefe da Divisão de Preservação do Centro Histórico da Prefeitura de Belém. Além de multa, o proprietário pode ser obrigado judicialmente a reconstruir a área afetada.
Mas quais os incentivos aos donos de casarões para que eles invistam na preservação do imóvel? De acordo com o DPHAC, os mecanismos compensatórios são basicamente quatro: isenções tributárias, que variam de 10% a 100% do IPTU; transferência do direito de construir; linhas de créditos especiais no Banco Oficial do Estado para restaurações; e disponibilidade de agentes do Estado capacitados para prestar assessoria técnica em projetos e captação de recursos.
Preservação também traz segurança
“Usar os casarões como residências, e não apenas como lojas, garante que haja movimento nas ruas”, defende a especialista Roseana Norat
Apesar dos pesares, há quem escolha fazer de um prédio secular a própria casa. Foi assim com Milton Kasahiro. Foram mais de sete anos de reforma. Ainda que reconheça as agruras de se viver no Centro Histórico, Kasahiro não se arrepende de tanta dedicação para recuperar o prédio amarelo, localizado em frente à Igreja do Rosário, onde mora atualmente.
“Investi muita energia, paciência e também muito dinheiro. Levou muito mais tempo do que eu imaginava, o dinheiro acabou, e a obra ainda estava longe de ser concluída” relembra o pesquisador florestal. “Mas eu queria uma casa mais ampla, e achei o casarão. Fora isso, a vista é linda, e fica perto da igreja o que, para mim, é muito emocionante”.
BUROCRACIA
Kasahiro foi um dos poucos sortudos contemplados pelo programa Monumenta, executado pelo Ministério da Cultura e financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. O pesquisador teve a solicitação aprovada pelo edital de 2006. Já inexistente por aqui, o programa financiou a recuperação de apenas nove imóveis em sete anos de atuação no Pará. “A burocracia do processo é muito grande. Por sorte, a casa que eu comprei estava com toda a sua documentação em ordem. Assim, eu consegui vencer cada etapa do programa, mas isso não ocorre com a maioria da população que mora nesses bairros”, diz o pesquisador.
Para Roseana Norat, membro do Conselho Internacional de Monumentos e Centros Históricos (Icomos) falta visão do poder público quando o assunto é preservação das casas antigas. O assunto, além de ser questão cultural e política, deve ser encarado como um investimento em segurança pública e em um programa habitacional de qualidade.
“O centro histórico de Belém é alvo de violência urbana fora do horário comercial, sobretudo nos finais de semana. Usar os casarões como residências, e não apenas como lojas, garante que haja movimento nas ruas”, defende a pesquisadora, que cita o Rio de Janeiro como exemplo bem sucedido desse tipo de ação.
“Enquanto aqui em Belém, construtoras derrubam tudo, mantendo apenas a fachada, e chamam isso de conservação do patrimônio, no Rio, não há demolição do edifício antigo, mas uma adaptação para receber os moradores”, diz Norat, que pontua tantas outras boas experiências realizadas em cidades como São Luiz (MA), Recife (PE) e São Paulo (SP), além de países da Europa, e o Uruguai. “Ao tornar os casarões imóveis residenciais, eles se tornam vendáveis, e com ótima localização, o que os valoriza. E a clientela existe”.
DENUNCIE
Notifique casos de degradação ou abandono:
DPHAC 4009.9842
Iphan 3224-1825
Fumbel 3230-1387
(Diário do Pará)
Bela iniciativa: escutar os moradores dos casarões. Parabéns, sucesso no projeto.
ResponderExcluirAndré Cozzi