|
A Travessa Félix Rocque, outrora Travessa da Rosa, da Residência e da Vigia, atravessando séculos nos registros cartográficos de Belém, livre e desimpedida até às margens da Baía do Guajará. |
Reproduzimos
abaixo, o documento que as entidades que formam o MOVIMENTO ORLA LIVRE (ASAPAM, AAPBEL, CIVVIVA, ARQPEP, LACORE/UFPA, Fórum Landi e Observatório Social de Belém) entregaram
ao Ministério Público no último dia 05 de maio, no qual exigem a demolição da
obra da Empresa de Praticagem do
Pará, que está sendo construída irregularmente sobre o leito da Travessa Félix Rocque, uma das primeiras ruas de Belém. Na
farta documentação que compõe os processos de autorização da obra, se constata
o erro dos órgãos que licenciaram a obra e por outro lado, no próprio inquérito
administrativo aberto pela Promotoria de Meio de Ambiente a partir de denúncia
acolhida, se observa também o não cumprimento das determinações feitas pelo
Promotor Raimundo Moraes, por parte dos proprietários, que contaram com a
omissão e falta de fiscalização dos órgãos públicos para prosseguir com sua
obra irregular. Além da análise da documentação relativa ao processo de
autorização da obra e inquérito administrativo do Ministério Público Estadual,
o MOVIMENTO ORLA LIVRE faz o resgate histórico e documental do traçado do núcleo urbano que deu origem à cidade de Belém, revelando assim o grave crime
contra o Patrimônio tombado a nível municipal e federal que representa a
continuidade dessa obra.
Ofício nº 001/2015
Belém,
05 de maio de 2015.
Ao
Exmo. Sr.
RAIMUNDO
DE JESUS COELHO DE MORAES
3º
PROMOTOR DE JUSTIÇA
Excelentíssimo
Promotor,
Diante
dos desdobramentos da construção irregular na Rua Siqueira Mendes, nº 58,
esquina com a Tv. Felix Rocque,
fundos para a baia do Guajará, que tramita no âmbito dessa Promotoria e que
teve sua determinação de desobstrução da via, não atendida, permanecendo
desalinhada a obra em relação ao alinhamento do terreno e portanto, continuado
a ilegal invasão da referida via, que também não teve a ação reparatória,
delegada à SEURB, vimos por meio deste, prestar nossa contribuição, como
cidadãos, no sentido de auxiliar essa Promotoria, para que a situação seja
revertida em prol dos reais e mais do que legítimos interesses da sociedade.
Organizamos
um relato detalhado, com base documental, que corroboram a assertividade
da decisão dessa Promotoria, em determinar o realinhamento do projeto, com base
na conclusão da SEURB, sobre o correto alinhamento do terreno, o que foi
confirmado também, mais recentemente, por manifestação da Secretaria de
Patrimônio da União, que reconhece que a construção acarreta de fato a
obstrução da via.
A SPU
é taxativa em ofício nº 284/2015, de 15 de abril de 2015, dirigido à SEURB,
quando afirma que a construção obstrui a travessa e requisita que a SEURB
realize o realinhamento e desobstrução da referida travessa, como se vê, diante
de todo o histórico avaliado da situação, chegou ao mesmo resultado já
proferido pela SEURB e por essa Promotoria. (pg. 16-19).
Importante
ressaltar, o que se verá adiante, que essa Promotoria reuniu com a empresa
interessada em 28 de MAIO de 2014, conforme ata em anexo, (pg. 20-21),
encaminhando a partir de então, uma série de providências, que chegaram a seu
termo, com a emissão de notificações para todos os envolvidos, em 09 de OUTUBRO
de 2014, sobre a conclusão dessa Promotoria, no entanto, em meio ao curso de
tais trâmites, consta a revalidação, por parte do IPHAN, do Parecer nº
107/2013, de aprovação do projeto, via Parecer nº 085/2014, de 02 de SETEMBRO
de 2014, ou seja, muito provavelmente, pela data de emissão do parecer, a tal
revalidação não seguiu rigorosamente a decisão dessa Promotoria, nem tão pouco,
a orientação do croqui final de alinhamento do terreno, oferecido pela SEURB,
em que são determinados os devidos recuos da obra, sob pena de desobstrução
pela própria SEURB. Não dispomos de informações de que a partir das referidas
notificações, o IPHAN tenha alterado a sua avaliação ou que a FUMBEL tenha cancelado
a sua aprovação para a correção do projeto ou mesmo que a SEURB tenha atendido
a determinação dessa Promotoria, de desobstrução da via.
A
seguir, detalhamos circunstancialmente, os fatos relativos ao problema em
questão, organizados em duas partes. A primeira enfoca a documentação histórica
e urbana da via como elemento importante da memória urbana, diga-se legalmente
protegida nas instâncias municipal e federal, e a segunda congrega os
acontecimentos que levaram à sua obstrução parcial, alterando seu traçado,
portanto, descaracterizando o Centro Histórico da cidade.
I - QUANTO AO TRAÇADO URBANO DO CENTRO HISTÓRICO DA CIDADE DE BELÉM/PA E
A VIA DENOMINADA HOJE TRAV. FÉLIX ROCQUE:
1. As
origens da cidade de Belém denotam que a atual Trav. Félix Rocque, uma
das primeiras vias abertas perpendicular à Rua do Norte, atual Rua Siqueira
Mendes, primeira rua da cidade, seguia de forma regular até o rio. O traçado
urbano da cidade, a despeito das alterações em maior ou menor grau sofridas em
seu acervo arquitetônico, constitutivo da imagem da cidade, tem em suas vias
estreitas, uma lógica de ocupação que reflete seu crescimento e os terrenos
alagadiços, então os principais empecilhos para sua expansão “natural”, os
quais, gradativamente foram sendo superados, quer pelo aterramento dos terrenos
pantanosos, quer pela implantação de outros pólos de referência que acabaram por integrar
os diferentes núcleos urbanos, em geral, constituídos ao redor de Igrejas e
Conventos estabelecidos pelas diversas missões religiosas que aqui se
assentariam.
|
Figura 1: Manuscrito do Algemeen Rijksarchief, Haia, 1640, onde se observa a consolidação do bairro “Cidade”, atual Cidade Velha, o núcleo originário da cidade, incluindo a atual Trav. Felix Rocque, via que leva ao rio, perpendicular à então Rua do Norte, atual R. Siqueira Mendes. |
2.
Reflexo dessa trajetória, a delimitação do Centro Histórico de Belém (CHB),
ainda em 1990, elegeria os núcleos da Cidade e Campina, os primeiros
estabelecidos, como a área de preservação a ser protegida e regulamentada em
regime específico, o que se daria posteriormente com a Lei Nº 7.709, de 18 de
maio de 1994, ainda em vigor, apesar das adequações ocorridas com a aprovação
do Plano Diretor do Município de Belém, Lei Nº 8.655, de 30 de julho de 2008, o
qual, mesmo com novo zoneamento, ratificou os gabaritos dispostos em 1994 e as
diretrizes e objetivos para o CHB e seu entorno.
3. As
cidades históricas são caracterizadas por apresentarem núcleos, por vezes
chamados de sítios ou centros históricos, os quais por diversas razões são
preservados da destruição e permanecem íntegros, ou parcialmente íntegros, com
o seu traçado urbano e suas edificações originais ou aquelas que mesmo
extemporâneas possam vir a integrar o acervo a preservar, ou mesmo aquelas
ditas de renovação, as quais devem se adequar ao preexistente, e nunca o
contrário. Nesse sentido, vale destacar que há duas categorias de imóveis em
que estão classificadas as edificações em questão, conforme o Artigo 34 da Lei
7.709/1994, sendo a parte frontal histórica classificada como de Reconstituição
Arquitetônica e a parte posterior de Renovação Arquitetônica.
4.
Nesse contexto, Belém apresenta seu traçado urbano preservado desde suas
origens e inscreve-se dentro do conjunto de cidades brasileiras, remanescentes
do período colonial e imperial brasileiro. Seu conjunto arquitetônico é
formado por remanescentes especialmente dos séculos XVIII e XIX, e até mesmo
exemplares do século XX, hoje já passíveis de preservação.
5. Do
traçado urbano, íntegro, caracteriza-se a ortogonalidade das vias estreitas,
formado por pequenas quadras e reduzida altura de seus imóveis, a sua maioria
civis, mas que também concentra os mais expressivos monumentos da arquitetura
religiosa, administrativa e militar, cuja tipologia dominante confere à Belém
uma forte conotação lusitana, que faz evocar em vários trechos de sua paisagem
urbana, cidades portuguesas.