sexta-feira, 27 de abril de 2012

Capela Pombo marcada pela falta de investimento


Por mais que doa a constatação, manter o edifício já não é mais uma opção para a família. Após ser negligenciada por décadas, em 1973, a capela passou aos cuidados de José Augusto. A ultima restauração foi executada pelo novo dono nesse período. Entretanto, nos anos 1980, sem recursos ou incentivo, ele se viu obrigado a cerrar as portas.
A falta de manutenção deixou profundas marcas na obra. Na fachada, já se percebe as paredes enegrecidas pelo bolor acumulado com o tempo. Trepadeiras se infiltram pela marquise, criando um perigoso jardim suspenso de ervas daninhas. As imagens de Nossa Senhora da Conceição, de São João Batista e do Senhor dos Passos que antes adornavam o interior da igreja, foram retiradas por motivo de segurança. Atualmente, o altar é tomado apenas por visíveis rachaduras e infiltrações.Uma grade de ferro foi instalada logo após a entrada para evitar o acesso dos sem-tetos, que insistiam em utilizar o prédio como quarto - e possíveis ladrões.
De acordo com um levantamento encomendado por José Augusto, os custos de uma reforma emergencial girariam em torno de R$ 300 mil, montante que ele argumenta não dispor. A saída encontrada para salvaguardar o patrimônio foi a venda por R$ 1,2 milhão.
“Todos ficaram ‘irados’ por eu ter botado um preço na capela. Eu sei que é um assunto complicado, pois mexe com a fé das pessoas. Mas eu pensava que, como qualquer proprietário tem direito, eu também pudesse vender o meu imóvel”, revela.

Fórum Landi planeja a criação de museu de arte sacra
O Fórum Landi arregaçou as mangas e tenta agora adquirir o lugar através de “crowdfunding”, ou seja, um financiamento coletivo pela internet. A campanha “A Capela Pombo é do povo!” foi lançada durante o aniversário de 396 anos da capital paraense, comemorado no dia 12 de janeiro. O objetivo é arrecadar US$ 1 milhão até 10 de julho. Mas na tarde de terça-feira (24), até o fechamento deste texto, o projeto havia conseguido apenas R$ 1.000.
A ideia é, mesmo não conseguindo arrecadar o valor total, utilizar o dinheiro para arranjar um acordo com o proprietário. Uma vez arrematada, a Capela Pombo seria restaurada e preservada pela UFPA, através do Fórum Landi. Está prevista a criação de um museu de arte sacra no local.
“Vamos procurá-lo [o herdeiro do imóvel] com o montante arrecadado numa mala preta – in cash sempre tem desconto, né? Caso não haja acordo, os doadores receberão os valores de volta, não se preocupem. Também correremos atrás de grandes patrocinadores, é claro. No fim, o que vale é o diálogo”, explica Flávio Nassar, coordenador do Fórum Landi, através do texto de convocação da campanha, publicado no site ‘Eu Patrocino - Crowdfunding’. O Fórum Landi é um projeto dedicado à revitalização do Centro Histórico de Belém, com foco na pesquisa da obra arquitetônica de Antonio Landi, no bairro da Cidade Velha. Mesmo se o plano não chegar ao valor estipulado, talvez esta seja a melhor proposta pela capela desde que foi posta no mercado.

“É um elefante branco”
“O maior entrave para fechar o negócio tem sido a legislação”, atesta o proprietário. A Capela Pombo foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2011, como parte do conjunto urbano arquitetônico e paisagístico do bairro do Comércio. Devido ao tombamento, o local não pode ser alterado, depredado ou passar por qualquer reforma sem o aval do Iphan.
“A primeira proposta que recebi foi de um camarada que ofereceu R$ 50 mil. As ofertas que se seguiram não subiram muito mais do que isso. A capela se tornou um elefante branco”, admite José Augusto Pombo.
Por outro lado, os compradores mais óbvios, como a Prefeitura ou a Arquidiocese não se mostraram interessados em adquirir o imóvel. A Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel) informa que apesar de reconhecer a importância histórica não é dever da prefeitura manter uma capela católica.
“Sabemos da relevância do prédio, sua história, mas ali é um espaço com fins religiosos. O estado laico prevê a liberdade religiosa, mas não a intervenção estatal para fins religiosos”, diz Leonardo Freitas, historiador do departamento de patrimônio histórico da Fumbel.
Ainda segundo o técnico, não existe nenhum plano para o tombamento da igreja pela prefeitura. Entretanto, ele ressalva que o local é protegido por estar inserido no centro histórico de Belém, como determina a lei municipal 7.709, de 1994.
A igreja alega que não existe planos para compra a capela, já que ela não teria relevância religiosa. “Existe um interesse histórico, já que o prédio foi projetado por Landi. Mas se limita a isso. O prédio está descaracterizado. Até as imagens que tinham lá não existem mais. É bom para a cidade se alguém conservá-la, pela memória. Mas não temos nenhum plano de comprá-la”, opina o padre Ronaldo Menezes, pároco da Igreja da Santíssima Trindade.

Diante das portas fechadas, lamentos
O Iphan, todavia, vem demonstrando interesse pela capela. Pombo passou pela “malha fina” do órgão. Teve que apresentar sua declaração de imposto de renda e foi exigido um projeto de restauração do prédio. “Eles não puderam me indiciar porque foi comprovado que eu não tinha o dinheiro para a reforma. Só seria indiciado se fosse provado que existe a intenção do dolo, de abandonar a capela intencionalmente. O que não é meu caso”.
“A obrigação de manutenção do prédio é em primeiro lugar do proprietário, pois o tombamento não o exime da responsabilidade com a conservação do bem”, justifica a superintendente Iphan/Pará, Maria Dorotéa de Lima. Ela afirma que havendo um projeto e a garantia de gestão, o Iphan se compromete com a captação de recursos para a restauração. “Já informamos ao proprietário e a outros interessados na preservação do bem que há diversas possibilidades de viabilizar o projeto como, por exemplo, estabelecendo parcerias com as universidades. Aliás, a academia dispõe de técnicos e laboratórios e podem elaborar projetos de restauro e captar recursos, por meio do mecenato e também do próprio Iphan, para viabilizar as obras”, aponta.
Alheio ao embate, o aposentado Pedro Paulo Moraes, só tem a lamentar o descaso com o patrimônio. Ele que trabalhou como comerciante no bairro, ainda se lembra com carinho das vezes que, durante a folga para o almoço, passava na capela para descansar um pouco a mente.
“Isso daqui era uma benção”, comenta o senhor de 77 anos, enquanto contempla os imensos portões de madeira imponentes. “As pessoas passavam aqui e paravam, nem que fosse para rezar rapidinho. Vivia lotada. Agora é assim, trancada. Tem coisa mais triste do que ver uma igreja de portas fechadas?”, questiona.
Participe
Para participar da iniciativa, doe através do site Eu Patrocino. É possível contribuir com cotas de R$ 50 a R$ 9.999.

Saiba mais
Como ensina a arquiteta Ida Hamoy, a Capela Pombo ou Capela de Nosso senhor dos Passos foi erguida a pedido do senhor de engenho Ambrósio Henriques, no final do século XVIII. “O projeto é atribuído a Landi pela linguagem arquitetônica ser do mesmo repertório que Landi aplicará a outros projetos assinados por ele”, explica. O arquiteto italiano foi também responsável pelo projeto da Igreja de Santana, do Palácio dos Governadores e a Capela de São João Batista.
Hoje, a construção permanece como a única capela particular de Belém.

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