Enquanto a pequena multidão se dispersa em motos e bicicletas, Irandilva Miranda Dantas, 61, vê se formar uma fila na saída da modesta igreja de São José, centro de Soure, na Ilha do Marajó. Na manhã nublada de sábado, é com paciência e simpatia que ela recebe cada um dos incontáveis abraços pelo seu aniversário, comemorado na tarde anterior em uma festa animada na sede do centro comunitário da cidade.
Dona Roxita, como Irandilva é chamada desde pequena devido ao tom escuro da pele, é uma espécie de referência na região. Assim que a noite cai, abre as portas da própria casa para muitos daqueles que compartilham com ela o mesmo banco de igreja pela manhã, para o que chama de “sessões de cura”, em que ela conta com a ajuda de raízes, folhas e ervas para sarar gente que sofre dos mais variados males.
“Muitos sentem alergias e dores no corpo, tomam remédio e não ficam bons. Então preparo unguento, chazinhos. As pessoas são curadas pelas ervas, por Deus e pela espiritualidade. Foi assim que curei meu pai aos cinco anos”.
Dona Roxita é uma das personagens do documentário “Ervas e Saberes da Floresta”, da paraense Zienhe Castro. O filme, em fase de montagem, mergulha num universo complexo de valores e tradições místicas para investigar o uso de ervas medicinais na Amazônia.
As filmagens, iniciadas em maio, percorreram Belém, Santarém, Oriximiná, Igarapé Miri, São João de Pirabas e Ilha do Marajó. Durante todo o trajeto, a equipe ouviu pesquisadores, médicos, erveiras e mateiros, e testemunhou um fluxo de transmissão de conhecimentos tradicionais que desafia o tempo e as descobertas farmacológicas.
“Sempre tive a intenção de contribuir com o debate crítico em torno da cultura amazônica”, diz a diretora. “Estudar os saberes tradicionais e o uso de ervas, referências culturais de todo paraense, está nesse bojo. A maioria de nós nasceu tomando chazinho e banho de cheiro, além da convivência com o Ver-o-Peso e toda essa atmosfera. Minha intenção é falar de temas pertinentes à nossa região e que estão se perdendo lentamente, tornando-se cada vez mais distantes das novas gerações”, explica Zienhe.
Dona Roxita, como Irandilva é chamada desde pequena devido ao tom escuro da pele, é uma espécie de referência na região. Assim que a noite cai, abre as portas da própria casa para muitos daqueles que compartilham com ela o mesmo banco de igreja pela manhã, para o que chama de “sessões de cura”, em que ela conta com a ajuda de raízes, folhas e ervas para sarar gente que sofre dos mais variados males.
“Muitos sentem alergias e dores no corpo, tomam remédio e não ficam bons. Então preparo unguento, chazinhos. As pessoas são curadas pelas ervas, por Deus e pela espiritualidade. Foi assim que curei meu pai aos cinco anos”.
Dona Roxita é uma das personagens do documentário “Ervas e Saberes da Floresta”, da paraense Zienhe Castro. O filme, em fase de montagem, mergulha num universo complexo de valores e tradições místicas para investigar o uso de ervas medicinais na Amazônia.
As filmagens, iniciadas em maio, percorreram Belém, Santarém, Oriximiná, Igarapé Miri, São João de Pirabas e Ilha do Marajó. Durante todo o trajeto, a equipe ouviu pesquisadores, médicos, erveiras e mateiros, e testemunhou um fluxo de transmissão de conhecimentos tradicionais que desafia o tempo e as descobertas farmacológicas.
“Sempre tive a intenção de contribuir com o debate crítico em torno da cultura amazônica”, diz a diretora. “Estudar os saberes tradicionais e o uso de ervas, referências culturais de todo paraense, está nesse bojo. A maioria de nós nasceu tomando chazinho e banho de cheiro, além da convivência com o Ver-o-Peso e toda essa atmosfera. Minha intenção é falar de temas pertinentes à nossa região e que estão se perdendo lentamente, tornando-se cada vez mais distantes das novas gerações”, explica Zienhe.
Pesquisa consumiu sete anos
No filme, que tem lançamento previsto para o final deste ano, muitas histórias se entrelaçam. Histórias de mulheres fortes, empenhadas diariamente em manter viva a tradição - como Maria de Jesus Pantoja Salles, a Dona Quinina, 66. Não é fácil chegar até sua casa, na comunidade do Céu, em Soure. É preciso vencer 14 quilômetros de lama - primeiro de carro, depois a pé, em pontes improvisadas e estradinhas de terra.
Sentada à sombra de uma árvore, no amplo terreno que circunda sua casa, ela falou sobre sua relação com as plantas e a cura com ervas, e lamentou que esta prática esteja caindo no esquecimento. “As coisas antigas, ‘tudo se perdeu’. Os mais novos não querem se preocupar em ‘prantar’, não querem aprender com os mais velhos”, disse. “Aprendi muito com minha mãe, minha avó. Já curei um apêndice com casca de barbatimão, que é boa pra inflamação, pra tudo, assim como a folha do hortelã grande. Minha mãe de leite ensinava os remédios e eu fazia pros meus filhos. Criei 12 assim. O que é dos médicos, é dos médicos. Mas o que é das ervas, ah, é delas”, ensina.
No filme, que tem lançamento previsto para o final deste ano, muitas histórias se entrelaçam. Histórias de mulheres fortes, empenhadas diariamente em manter viva a tradição - como Maria de Jesus Pantoja Salles, a Dona Quinina, 66. Não é fácil chegar até sua casa, na comunidade do Céu, em Soure. É preciso vencer 14 quilômetros de lama - primeiro de carro, depois a pé, em pontes improvisadas e estradinhas de terra.
Sentada à sombra de uma árvore, no amplo terreno que circunda sua casa, ela falou sobre sua relação com as plantas e a cura com ervas, e lamentou que esta prática esteja caindo no esquecimento. “As coisas antigas, ‘tudo se perdeu’. Os mais novos não querem se preocupar em ‘prantar’, não querem aprender com os mais velhos”, disse. “Aprendi muito com minha mãe, minha avó. Já curei um apêndice com casca de barbatimão, que é boa pra inflamação, pra tudo, assim como a folha do hortelã grande. Minha mãe de leite ensinava os remédios e eu fazia pros meus filhos. Criei 12 assim. O que é dos médicos, é dos médicos. Mas o que é das ervas, ah, é delas”, ensina.
Percurso
“Ervas e Saberes da Floresta” classificou-se entre os 100 melhores roteiros cinematográficos do Brasil para documentários no edital do Ministério da Cultura e também entre os 20 roteiros selecionados pelo edital de audiovisual do Programa Petrobras Cultural em 2010.
Segundo Zienhe Castro, a pesquisa para realização do filme consumiu sete anos. Neste percurso, ela contou com a contribuição valiosa do professor Wagner Barbosa, da Faculdade de Farmácia da UFPA, que atua como mediador das rodas de conversa que costuram todo o filme.
“No Brasil nos últimos dez anos, mais ou menos, houve um avanço considerável na política de plantas medicinais e fitoterápicos”, aponta Wagner, que é autor do livro “Etnofarmácia: fitoterapia popular e ciência farmacêutica”, publicado este ano. “Estes avanços têm provocado reações diversificadas, desde o apoio incondicional, beirando a ideologização, até o rechaço, também ideologizado, da entrada de plantas medicinais na atenção básica em saúde”, pondera.
No ano passado, o dominical Fantástico lançou uma série intitulada “É bom pra quê?”, em que o médico Drauzio Varella “investigou” a utilização de ervas e fitoterápicos. A abordagem de Varella provocou controvérsias e a reação imediata de milhares de farmacêuticos e entidades ligadas à saúde em todo o Brasil, ao colocar em xeque a credibilidade da Política Nacional de Fitoterapia, adotada pelo Ministério da Saúde.
Zienhe diz que este episódio só reforçou a vontade de lançar luz aos saberes tradicionais. “Este debate atual, negativado de forma generalizada em torno da prática milenar do uso de ervas, é muito recente. Isso só fortaleceu o desejo de resgatar e validar essa sabedoria. O diálogo entre a ciência e o conhecimento tradicional é importante e necessário, mas um não deve anular o outro. O filme acaba discutindo transversalmente uma abordagem mais contemporânea, que defende a medicina integrativa, a partir da união desses dois campos”, diz Zienhe. E que Drauzio Varella não nos ouça.
“Ervas e Saberes da Floresta” classificou-se entre os 100 melhores roteiros cinematográficos do Brasil para documentários no edital do Ministério da Cultura e também entre os 20 roteiros selecionados pelo edital de audiovisual do Programa Petrobras Cultural em 2010.
Segundo Zienhe Castro, a pesquisa para realização do filme consumiu sete anos. Neste percurso, ela contou com a contribuição valiosa do professor Wagner Barbosa, da Faculdade de Farmácia da UFPA, que atua como mediador das rodas de conversa que costuram todo o filme.
“No Brasil nos últimos dez anos, mais ou menos, houve um avanço considerável na política de plantas medicinais e fitoterápicos”, aponta Wagner, que é autor do livro “Etnofarmácia: fitoterapia popular e ciência farmacêutica”, publicado este ano. “Estes avanços têm provocado reações diversificadas, desde o apoio incondicional, beirando a ideologização, até o rechaço, também ideologizado, da entrada de plantas medicinais na atenção básica em saúde”, pondera.
No ano passado, o dominical Fantástico lançou uma série intitulada “É bom pra quê?”, em que o médico Drauzio Varella “investigou” a utilização de ervas e fitoterápicos. A abordagem de Varella provocou controvérsias e a reação imediata de milhares de farmacêuticos e entidades ligadas à saúde em todo o Brasil, ao colocar em xeque a credibilidade da Política Nacional de Fitoterapia, adotada pelo Ministério da Saúde.
Zienhe diz que este episódio só reforçou a vontade de lançar luz aos saberes tradicionais. “Este debate atual, negativado de forma generalizada em torno da prática milenar do uso de ervas, é muito recente. Isso só fortaleceu o desejo de resgatar e validar essa sabedoria. O diálogo entre a ciência e o conhecimento tradicional é importante e necessário, mas um não deve anular o outro. O filme acaba discutindo transversalmente uma abordagem mais contemporânea, que defende a medicina integrativa, a partir da união desses dois campos”, diz Zienhe. E que Drauzio Varella não nos ouça.
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